Conheci uma gata, que se chama Carlota. Um nome bonito, digno e sonoro. Carlota é majestosa. Desliza ao andar, os olhos semicerrados de tédio, o rabo erguido como uma bandeira imperial. Seu pelo brilha porque ela se lambe o dia inteiro, um ritual reservado apenas aos mais dignos. Se um humano tem o privilégio de presenciar esse momento, que saiba: foi escolhido. Mas que não se atreva a tocar. O toque precisa ser concedido, e Carlota concede a poucos.
Ela gosta de se admirar. Na água, no vidro da janela, na tela preta do celular largado no sofá. Se não há espelhos, ela encontra um. E se não encontra, imagina. Porque Carlota sabe o que ela é: perfeita. Única. O mundo pode duvidar, mas ela não.
Seus olhos verdes fulminam qualquer um que pense o contrário. Um olhar de desprezo calculado, misturado com uma dose sutil de sedução. O mundo gira ao redor de Carlota, e todos que cruzam seu caminho devem saber disso. Se não sabem, aprenderão.
Carlota não mia por necessidade, mia por estratégia. Mia quando quer algo. Um prato cheio, uma porta aberta, um colo quente para repousar por exatos cinco minutos antes de desprezar tudo e ir embora sem explicação. Quem a segue, perde. Quem insiste, cansa. O amor de Carlota é um prêmio raro, mas passageiro. Um troféu que se desfaz assim que alguém tenta segurá-la por muito tempo.
Ela se alimenta da admiração alheia. Quando a chamam, quando a elogiam, quando dizem que nunca viram gata mais bonita. Mas, atenção, não exagere. Bajulação excessiva enjoa, atenção demais sufoca. O amor precisa ser medido, dosado, para que ela continue por perto. Se alguém se torna confiante demais, Carlota some. Some para fazer falta, para ser desejada outra vez. E volta quando bem entender, como se nunca tivesse ido.
Outras gatas? Ridículas. Carlota não tem concorrência. Se outra gata passa, Carlota nem olha. Porque olhar seria reconhecer. E reconhecer seria admitir que talvez não seja a única no mundo.
Os humanos, esses, ela mantém sob controle. Alguns mais bobos se derretem por um roçar de cabeça, por um ronronar. E ela sabe. Sabe o efeito que causa. Testa seus poderes. Se aproxima, enfeitiça, e quando tem a vítima bem na palma da pata, ignora. Se diverte com a necessidade que deixam escapar.
Carlota não é má. Só é Carlota. Feita para ser admirada, servida, desejada. E se um dia alguém quiser algo além disso, que busque outra gata. Mas Carlota esquece que o tempo é cruel. E quando ninguém mais esperar por ela, quando os olhares não se voltarem para ela, entenderá que a solidão é o preço de nunca ter pertencido a ninguém. E uma gata sem um dono é apenas um miado perdido no nada.