Neste turbilhão chamado vida, me encontro em uma busca incessante, uma busca que parece se assemelhar a procurar uma agulha no palheiro, ou talvez, mais dramaticamente, a encontrar o Santo Graal. A busca é por um grande amor, não apenas um amor qualquer, mas um amor que deve se enquadrar em uma série de preceitos, padrões meticulosamente pré-estabelecidos.
Primeiro, os olhos. Não posso negar, a beleza deve ser a primeira parada neste trem de desejos. Deve ser linda, delicada e meiga, com a gentileza de um anjo, mas o brilho de uma estrela cadente. Uma dama, uma deusa, uma musa que iluminaria as noites mais escuras com um único sorriso.
Então, vem a mente. Deve ser uma mulher de inteligência aguda, eloquente, educada e graciosa. Deve ter a elegância de uma bailarina em meio à turba, mas nunca presunçosa. Deve possuir o equilíbrio delicado entre a sofisticação da mente e a simplicidade do coração.
E o apreço, oh, o apreço. Ela deve possuir uma sensibilidade aguçada, mas com um traço inconfundível de singularidade. Deve ser capaz de valorizar a harmonia de uma melodia bem composta, apreciar a atmosfera e os sabores refinados de um bom restaurante, e possuir um estilo único que serve como espelho de sua essência.
Ah, e não posso esquecer do amargor da vida. Quero uma mulher que já provou o sabor do fracasso e aprendeu a dançar com seus demônios. Uma mulher que dá valor a uma boa companhia, uma que encontra alegria nas pequenas coisas da vida, que sabe que as maravilhas muitas vezes se escondem nos recantos mais obscuros.
E finalmente, ainda que não menos significativo, ela deve ser uma alma cheia de carinho. Assim como eu, ela deve possuir um coração que transborda amor capaz de iluminar as noites mais escuras e curar as dores mais profundas.
Essa mulher, ela realmente existe? Ou é apenas uma fantasia, um ideal jamais destinado a ser encontrado neste mundo real? Não sei. Mas enquanto a resposta permanecer incerta, vou continuar minha busca, no escuro, nas fendas e recantos desta existência, porque o verdadeiro valor não está na conquista, mas na jornada. E que jornada tem sido.
----------
No coração de São Paulo, sob o cinza dos prédios e o céu nublado, Sr. Fernando, o velho sapateiro, sentava-se solitário em frente a sua sapataria, olhando para a multidão que passava. O ruído dos carros, o som do metrô e as conversas apressadas dos paulistanos se misturavam ao burburinho do pequeno e sofisticado bar ao lado. Os clientes em seus ternos ajustados e roupas modernas bebiam Dry Martini, Moscow Mule e Gin Tonic, embriagados pela ilusão do eterno progresso e sucesso paulistano. Eles riam alto, como se o som pudesse afogar a miséria que se escondia em suas almas. Eles beberam à vida, mas Sr. Fernando sabia que a vida estava bebendo deles.
Certa vez, um homem bem-sucedido, trajado em um terno caro e ostentando um relógio brilhante, com um sorriso plastificado no rosto e uma falsa promessa de felicidade em seus olhos perguntou: "Qual é o segredo da felicidade, sapateiro?"
Sr. Fernando olhou para o homem, seu terno caro, seu relógio brilhante. Ele parecia ter tudo, mas Sr. Fernando viu o vazio em seus olhos, um abismo que nem todo o dinheiro do mundo poderia preencher. "A felicidade," Sr. Fernando disse, "é uma puta. E como qualquer puta, ela vai embora quando o dinheiro acaba. Ela te dá prazer por uma noite, mas te deixa mais vazio pela manhã."
O homem deu uma risada nervosa, como se fosse uma piada. Mas não era. A verdade raramente é. Sr. Fernando, deu outro exemplo: “Entenda a felicidade como uma cortina de fumaça. E como qualquer fumaça, ela desaparece quando o vento sopra.”
O homem de terno foi embora, rindo. Sua busca insana por uma felicidade que não existia continuava. Sr. Fernando não o culpou. Todos nós somos um pouco como aquele homem, perseguindo sonhos que nunca se tornarão realidade, procurando a felicidade em lugares onde ela nunca será encontrada.
Mais tarde, enquanto a cidade se afundava na noite e as luzes dos prédios competiam com as estrelas, Sr. Fernando pegou sua garrafa de cachaça e deu um gole. O líquido queimou sua garganta, mas o calor era bom, era real. Não era felicidade, mas era suficiente.
"Outro dia, outro sapato", murmurou ele para si mesmo, enquanto se levantava, deixando para trás o barulho do sofisticado bar e caminhando para a solidão de sua sapataria. Para a sua bancada, seu martelo e seus pregos.
----------
Vamos falar de detalhes. Esses pequenos pedaços de realidade que a maioria das pessoas ignora, as coisas que não se encaixam no script que a sociedade escreveu para elas, pois lhes faltam sensibilidade para ver.
Elas me chamam de chato porque gosto dos detalhes. Mas eu digo, foda-se, eles não sabem o que dizem.
Vivemos num mundo onde a maioria das pessoas é como uma mula puxando um carro, apenas seguindo a estrada que foi traçada para elas, sem nunca olhar para o lado. E o lado é onde a verdadeira beleza está. No detalhe de uma flor que cresce na beira da estrada, no som suave de um piano tocando, na maneira como as palavras podem dançar na ponta da língua, no sabor de um vinho.
Os detalhes estão por toda parte, se você se atrever a procurá-los. Eles estão na maneira como a luz do sol brilha, no som do vento passando por uma janela aberta, no silêncio da noite. Eles estão no sabor de um charuto, na textura do papel de um livro antigo, no cheiro de uma mulher.
Os detalhes são tudo o que temos, tudo o que somos. Nós somos os detalhes. E aqueles que não conseguem ver isso, que não conseguem sentir e apreciar a beleza escondida em cada pequena coisa, estão deixando a vida passar por entre os dedos.
Para aqueles de nós que veem os detalhes, a vida é uma aventura sem fim, uma celebração constante de tudo o que é belo e verdadeiro.
Então aqui vai um brinde. Um brinde aos detalhes, aos que vêem os detalhes, aos que vivem os detalhes. Porque no final, a vida não é nada mais do que um detalhe. Um pequeno detalhe no vasto universo.
----------
Acordei com aquela ressaca familiar, como se uma orquestra tocasse um atonalismo indesejado na minha cabeça. Levantei-me, arrastando o corpo que parecia pesar mais do que o usual. Passei um café, aquele líquido negro e amargo que prometia trazer de volta algum sinal de vida ao meu ser.
Olhei pela janela e vi a chuva caindo lá fora, o mundo banhado em cinza, como um espelho do meu próprio estado de espírito. O barulho das gotas se chocando contra o vidro da janela me lembrava de que a natureza, assim como a vida, tem seus próprios demônios e aflições.
Coloquei um jazz bem baixo, apenas o suficiente para sentir o som rouco e melancólico do saxofone, mesclando-se com o ritmo da chuva. Permiti-me afundar naquele momento, apreciando a simbiose entre a melodia e a tempestade, uma trilha sonora para os pensamentos errantes que começavam a invadir minha mente.
Refleti sobre a vida, sobre as decisões que marcaram minha trajetória e como hoje não busco a aprovação de ninguém, não preciso da aceitação de qualquer alma viva. Escolhi meu caminho, e suporto as consequências, sejam elas gloriosas ou desastrosas.
Mas nem sempre foi assim. Já desempenhei meu papel nesse teatro grotesco da sociedade, onde as pessoas escondem suas verdadeiras faces atrás de máscaras de alegria falsa e cortesia vazia. Já fui um deles, buscando aceitação, temendo a solidão. Mas agora, vejo claramente a futilidade disso.
Naquele momento, com a chuva e o jazz como companheiros, percebi que, às vezes, é necessário se afastar do barulho do mundo para encontrar a verdadeira essência do que nos faz humanos. É na solidão que descobrimos quem realmente somos, quais são nossos anseios e medos, e como podemos nos libertar das correntes que nos prendem.
Que possamos encontrar beleza na melancolia, sentido no caos, e paz na solidão. E talvez, apenas talvez, o amanhecer traga algo além de uma mera ressaca.
----------
Os gatos são como jazz tocado em um velho vinil riscado. Eles tocam suas próprias melodias e não se importam com o que o mundo pensa. São criaturas livres, auto-suficientes, que vivem de acordo com suas próprias regras. Cada movimento que fazem, cada miado que emitem, é um lembrete para nós de que, no final do dia, somos os únicos responsáveis pela nossa felicidade e paz.
Eles são mestres do paradoxo, capazes de desferir golpes mortais com suas garras em um momento e de afagar seu rosto com a delicadeza de uma pluma em outro. Eles nos ensinam que, às vezes, é preciso ser agressivo, e às vezes, é preciso ser gentil. A graça reside no equilíbrio.
Estão constantemente em um estado de contemplação profunda, enxergando coisas que escapam aos nossos olhos mortais. Eles são lembretes vivos de que, mesmo no meio de nossas rotinas infernais, sempre há espaço para um momento de quietude e reflexão.
Eles encontram prazer nas coisas mais pequenas: um raio de sol entrando por uma janela, uma folha caindo no outono, um novelo de lã abandonado. Eles nos mostram que a alegria não reside em posses ou posições, mas no aqui e agora.
A vida dos gatos é uma dança de contrastes. Eles caem e se levantam, perseguem e são perseguidos, se perdem e se encontram. Eles nos ensinam que a vida é um ciclo de luta e vitória, de perda e descoberta, de dor e prazer. E, em meio a tudo isso, eles mantêm sua dignidade intacta.
Devemos ser mais como um gato e entender que viver não é apenas existir, é também encontrar liberdade mesmo nas menores coisas, é dançar ao ritmo da nossa própria música, e acima de tudo, é aceitar que a vida é um paradoxo: bela e brutal, tudo ao mesmo tempo.